sábado, julho 29

A mulher maravilhosa e coisas de mulher

Eu nunca imaginei que existisse uma mulher maravilhosa. Nos meus tempos de criança fui até meio fã da mulher maravilha. Mas nunca pensei muito seriamente no fato de existir ou não uma mulher maravilhosa. Dia desses ouvi falar de uma. Acho que é um exemplar meio raro nos dias de hoje. Mas o que realmente importa foi a ocasião em que ouvi o tal termo.
Como vocês bem sabem, sempre fui instável. Nunca amei muito, mas andei gostando de alguns por aí. Coisas de mulher volúvel. Até uns meses atrás, quando passei a gostar muito de um, apaixonei-me, amei, sei lá, nunca soube usar bem as definições. E esse um, especificamente, me fez sonhar. Andei bem ocupada, construindo os nossos castelos, e muito mais ocupada ainda em dissimular os castelinhos de sonhos. Coisas de mulher insegura. Mas, paradoxalmente, tinha uma certeza, infantil e absoluta, de que tudo daria certo. Esperei muito para amar e tinha que ser amada da mesma forma. Porque sentimentos verdadeiros têm de ser recíprocos. Coisas de mulher ingênua.
Como ia dizendo, o tempo foi passando. Combinamos algo diferente e completamente inusitado para mim. Teríamos um mês só nosso. Um mês de sonho, quando nos conheceríamos melhor, nos divertiríamos, nos surpreenderíamos e nos amaríamos. Um mês do mais puro idílio amoroso. E, por mais que a minha boca dissesse:
- Não insista. Será um mês único, quando acabar você volta a sua vida normal, e eu também. Não se apegue a mim porque nunca mais nos veremos. Será o nosso doce abril. Uma lembrança para toda a vida.
Eu queria mesmo dizer:
- Será o primeiro mês do resto de nossas vidas. Depois de abril, nada será como antes, porque nossas vidas irão mudar total e completamente. Pertencemos-nos e nunca vamos nos separar.
Coisas de mulher medrosa. Eu acreditei que minha mensagem oculta era percebida. Guardei meus desejos. Porque para mim eram óbvios. Tão evidente no meu olhar ansioso. Na minha forma de querer que tudo saísse perfeito. Afinal, quem depois de me ter por um mês inteiro poderia permitir que eu fosse embora? Quem poderia recusar o meu amor? Coisas de mulher confiante. Mas, então, a realidade me abateu de uma forma assustadora. Em um telefonema frio e meio sem nexo. Em um diálogo insano que vou tentar resumir agora, mesmo sabendo que nunca conseguirei ser fiel.
Coisas de mulher transtornada.
- Com quem você estava no telefone há pouco tempo?
- Com a Xan.
- Xan? Quem é a Xan?
- Ah! É uma amiga minha. Uma ex-namoradinha. Fazia um tempão que não a via, mas a reencontrei em um dia desses.
- Sei. E o que sua ex-namoradinha queria?
- Conversar, saber se estou bem, se a viagem foi boa, mas depois eu ligo para ela.
- Acho meio estranho isso de uma ex-namoradinha ligar, querendo saber de você – coisas de mulher ciumenta.
- Eu não acho, eu não ia te contar agora, não é importante, mas acho que vou contar logo.
- Conta...
- Eu e a Xan decidimos casar.
- O quê? Como assim, casar?
- A Xan é uma mulher muito boa, vai ser uma ótima mãe, é confiável. Preciso de alguém, e ela é a mulher ideal para mim.
- E eu? E nós dois?
- O que tem?
- Os nossos planos...
- Você sempre me disse que ia me deixar depois de abril. Eu só vou me casar daqui três anos e meio. Nada vai mudar para a gente. Estou ansioso que você venha em abril. Quero te beijar, te abraçar, passar a mão nos seus cabelos, fazer amor com você. Vai ser ótimo. Estou com saudades.
- Mas você vai casar com outra – voz trêmula, choro contido – você ficou noivo, sem eu nem saber, de alguém que você reencontrou em um dia desses.
- Já disse, eu quero muito que você venha porque gosto muito de você. Você sempre me disse que ia embora, queria o quê? Que eu não casasse nunca?
- Não sei o que dizer – disse chorando muito.
- Queria que você parasse de chorar. Você pode tentar mudar minha decisão. Pode lutar por mim. Venha para cá e não desista. Você está levando muito a sério o que eu disse sobre a Xan.
- Eu não vou mais – rebati chorando descontroladamente – não quero me envolver com alguém que vai casar.
- Mas eu não casei ainda. Você sempre me disse que ia casar com outro depois de abril. Tinha até uma lista de pretendentes. Que ia embora. Eu ainda não casei.
- Mas vai casar. Não quero estragar nada – gritei chorando descontroladamente e com as mãos tremendo – como ela é?
- Ela é loira, baixinha, tem olhos azuis. É linda. Uma mulher maravilhosa.
- Eu vou desligar. Boa sorte. Não consigo ficar feliz por vocês agora. Estou magoada. Mas um dia vou superar – sussurrei chorando descontroladamente, com as mãos tremendo e a cabeça latejando – quer me dizer mais alguma coisa?
- Nunca esqueça que eu gosto muito de você, quero que você venha, quero você e o nosso abril. Você vem?

Desliguei o telefone, caí na cama e chorei copiosamente por 2 ou 3 horas. Pensando no homem que eu tanto amei e na mulher maravilhosa que seria dele. Coisas de mulher desesperada. Avaliando que em nenhum momento o amor influenciou a decisão do casamento dele. Um casamento feito com a razão. Pelo menos um certo alento para mim. Porque sei que ele não terá com mais ninguém a paixão que teria comigo. Coisas de mulher vingativa. Só parei de chorar quando o telefone tocou. Atendi e ouvi uma voz macia. Alguém que eu rejeitei para ficar com o homem que, por telefone, me despedaçou. Alguém que nunca me deixaria, suficientemente ingênuo para me achar muito mais maravilhosa do que a Xan. Respirei, sentei, sorri e tentei aproveitar cada segundo da nossa conversa. Que começou terna, carinhosa, reconfortante. Mas, mesmo assim, comecei a chorar. Lembrando da cena da manhã, do meu amor arrasado e da mulher maravilhosa. Ele não entendeu. Expliquei tudo, e ele furioso me perguntou:
- Que tipo de canalha diria uma coisa dessas a você? Sabe o que isso significa? Que a vida decidiu por nós. Você será minha. A minha mulher maravilhosa. Nem precisamos decidir. Ele te colocou em meus braços. Tudo dará certo. Estou tão feliz que poderia gritar. Posso te pedir algo, meu amor?
- Pode moço.
- Hum, adorei a segunda palavra.
- Moço?
- Foi moço? Entendi amor...
- Foi moço, desculpe.
- Não tem problema, eu espero você sentir isso para me chamar. Agora você é minha. E quero que você repita algo.
- O quê?
- O seu novo nome?
- O meu novo nome?
- Sim. Cristina Brandão Paiva Hiemer.
- Não.
- Não?
- Não vou me chamar assim, vou tirar o Paiva, vou ser Cristina Brandão Hiemer.

Coisas de mulher sonhadora. Que nunca teve a pretensão de ser maravilhosa, mas que agora sonha em ser mesmo maravilhosa para alguém.

6 comentários:

Anônimo disse...

Meu amor, voce pode nao ter sido a maravilhosa... mas retratou com bravura uma mulher... com todos os seus altos e baixos, com todas as nuances... tou muda, muda, mudinha, depois dessa...

Marina disse...

Muito bom o texto!

E além de querermos ser maravilhosas para alguém também é necessário que sejamos maravilhosas para nós mesmas! =)

Beijosss! ;)

Anônimo disse...

Me identifiquei totalmente!!
Bjo

benechaves disse...

Olá!

Cheguei até aqui através do blogue da Mary. Tb sou natalense e moro aqui 'derna de pequenininho'. Gostei de sua prosa. Uma boa sorte e sucesso! Voltarei depois...

Um beijo inicial...

Anônimo disse...

Olá!

Eu sou A Outra e vim aqui te dizer que O Outro é muito enrolado e não conseguiu se decidir numa abordagem ideal para o nosso "Projeto Experimento: Um Blog Metalinguístico". Eu disse que não existe uma abordagem ideal, mas, sabe como são os homens, né? Então o deixei falando sozinho e estou aqui te convidando para conhecer nosso blog!

Apareça!

A Outra.

Márcio disse...

Coisa de mulher talentosa! Parabéns! Apareça mais vezes!