sexta-feira, março 3

Despedida visceral

Ei, vem cá, senta pela última vez ao meu lado e ouça o que eu tenho a te dizer.
De todas as razões você escolheu a mais fútil para me deixar. Poderia ter escolhido o meu mau-humor matinal, a minha mania de usar Vick a noite ou até mesmo o tom da minha voz. Seria muito mais fácil aceitar um desses motivos. Eu hesitaria muito mais em te odiar. Mas não se surpreenda, esse ódio eu também sinto de mim mesma cada vez que me olho e vejo uma mulher desesperada. Olhos tristes e sorrisos sem graça são agora comuns no meu espelho.

Não, não vire o rosto, não se envergonhe com sua futilidade, ainda tenho muito que falar.
Estou tão magoada que não lembro de nada bom. Nossa relação que começou como um sonho e que seria pra sempre, acabou em emaranhadas recordações horrorosas. As lembranças que me tomam a mente e maltratam meu coração só mostram uma menina ansiosa por amar e um homem frio que não soube perceber e merecer o amor dela. Amor sem limites, daqueles que se grita, chora, entrega; amor quase doentio, tomado pela paixão cega e perversa.

Pode chorar, eu também acho que você nunca mais será amado tão intensamente.
Queria voltar no tempo e te mandar embora do meu quarto em todas aquelas noites em que eu entorpecida pela morfina, me segurava para não dormir e ficar em sua companhia. Preocupada em não bocejar porque isso te irritava. Queria te mandar embora quando a dor apertava e eu sorria, ansiosa por um beijo, um carinho, um afago. Eu deveria ter te mandado embora de todos os meus sonhos, meus desejos, meus anseios. São tantas coisas que eu deveria ter feito. Quase não sobra espaço para me martirizar com o que eu não deveria ter feito: como os sorrisos que eu dei te observando tomar banho na penumbra; o seu leve tocar no meu rosto enquanto me olhava; as mordidas nos seus ombros e falar chorando baixinho eu te amo.

O que é isso? Que falsa surpresa é essa? Você sempre soube a intensidade do meu sentimento.
Mas você tem razão, não vou lembrar disso, o trato é não conseguir lembrar das coisas boas, meu ódio de mulher largada prefere ser alimentado com o meu choro na parte baixa do quarto do motel. Enquanto você dormia satisfeito e eu chorava pela sua falta de sensibilidade com o meu prazer e sua impaciência com os meus pudores quase juvenis. Ou do dia em que eu fugi de casa ainda muito doente, fingindo ir fazer exame de sangue e te vi com outra. Eram beijos e abraços tão ternos. Você tratava aquela mulher de uma noite como nunca tratou a mim, que um dia você quis que fosse a mãe dos seus filhos.

Agora você pode levantar e ir, mas não olhe para trás, não quero que você me veja despedaçada.
O mundo agora parece ter acabado, não consigo sorrir e nem respirar sem sentir um peso no peito. Minha cabeça está confusa com os passados recente e distante, mas eu vou melhorar. O mundo está apenas começando, ele não pode acabar antes que eu seja plenamente feliz.

Adeus.

quarta-feira, março 1

Desabafo de uma mulher liberta

De repente seu mundo desaba, enquanto você assiste impotente e imóvel todos os seus muros ruírem. Você sempre foi exemplo de força, levou anos pra construir os muros fortes que estabilizavam suas emoções. Então, você não sabe pedir ajuda e hesita em demonstrar fragilidade. No exato momento em que você começa a recolher pedaços de sonhos do chão, a realidade bate a sua porta, gritando que contos de fadas não existem. E lá se vai o mundo cor de rosa e azul claro em que você acreditou. No mundo real as cores são mais fortes e chegam a doer nos olhos. Franzindo o cenho e protegendo os olhos com as mãos você ainda consegue visualizar um vulto ao longe. Está cada vez mais distante. O vulto se afasta lenta, mas progressivamente, levando consigo sonhos e planos despedaçados. O alento é que ele leva também uma boa dose de egoísmo e a incapacidade de ter bravamente te protegido e ficado incondicionalmente ao seu lado.